Raimon Pla: "Plantas e xamãs abrem espaços dentro de nós"

Josan Ruiz

A busca espiritual e a paixão pela fotografia levaram Raimon Pla a conhecer os xamãs da Amazônia e as "usinas" que eles utilizam.

Raimon Pla: sua visão e experiência com os xamãs

Pla, que se define como um "aventureiro", já viajou pelo mundo todo e viveu muito tempo no Peru com sua família. Sua busca espiritual e experiências com curandeiros usando as chamadas "usinas de energia", incluindo a famosa ayahuasca, inspiraram seu primeiro livro.

-Mais e mais ocidentais participam de cerimônias na América do Sul levando plantas visionárias. O que motiva essa viagem?
-Vão em busca de uma transformação interna e para isso depositam sua confiança em um professor e em um ritual. No Peru, as cerimônias de ayahuasca são feitas em silêncio, uma bebida é tomada enquanto um xamã canta icaros, canções sagradas com poder curativo.

"A ayahuasca permite a observação do próprio mundo inconsciente."

Ao ingerir essa substância, abre-se um espaço de reunião consigo mesmo. A ayahuasca permite a observação do próprio mundo inconsciente.

-O que essa experiência guarda?
-Cada viagem é diferente; Depende da situação da pessoa. Acima do efeito bioquímico está a presença do curandeiro, que dirige a cerimônia e conhece bem a planta. Cada mestre tem seu próprio truque.

E a intenção é a base do charlatanismo. É por isso que você também deve se perguntar quais são as intenções desse personagem em quem vamos confiar.

“Acima do efeito bioquímico está a presença do curandeiro, que dirige a cerimônia e conhece bem a planta”.

-O professor e o contexto são então tão ou mais importantes do que a substância?
-Totalmente. Existem curadores que curam simplesmente cantando. E às vezes uma única gota de poção é o suficiente para entrar nesse processo.

-É verdade que os curandeiros se consideram discípulos das plantas?
-Sim, nesse caso é a planta que ensina. Quando crianças, aprendemos repetindo o que vemos. Com as plantas, funciona ao contrário.

Quando você come uma planta sagrada, ela lhe dá informações sutis. Pode-se dizer que eles possuem chaves capazes de abrir espaços dentro de nós.

-São os curandeiros da América do Sul especializados como nossos médicos e terapeutas?
-Claro. As plantas da floresta amazônica oferecem tratamentos para todos os tipos de doenças. Há pedreiros -que trabalham com pedras- fabricantes de ossos, purgueros …

Quem trabalha com ayahuasca, cacto de São Pedro ou tabaco, que são plantas sagradas, concentra-se no corpo sutil. Eles consideram que existem quatro corpos: físico, psíquico-emocional, alma e espírito.

-A ascensão do turismo em busca de experiências psicotrópicas aumentou o número de curandeiros?
-Sim, e discordo veementemente deste tipo de turismo. Muitas pessoas viram um negócio lucrativo nessas práticas. Mas os verdadeiros curadores, comprometidos com a cura, são poucos. Porque a cura está ligada à graça.

-O que é cura para você?
-É a harmonia dentro do seu ser.

- Além do físico?
-Claro. Um atleta pode estar com boa saúde, mas pode estar doente, não importa quão perfeitas sejam suas análises.

Refiro-me a uma energia muito mais sutil, que acredito ou pelo menos sinto estar dentro de nosso corpo. Quando afinado, ele gera uma sensação inefável de vida.

-É necessário ter um bom anjo da guarda para se aventurar nessas cerimônias?
-O anjo da guarda para mim se torna a presença da vida. Depois, há a questão das proteções, pois nem todas as entidades espirituais que entram em ação são benignas.

Dependendo de com quem leva as substâncias, o ocidental corre o risco de ter seu ouro mais precioso roubado: a energia vital. Há turistas que voltam ano após ano porque o curandeiro colocou essa instrução em seu inconsciente.

"Dependendo de com quem ele leva as substâncias, o ocidental corre o risco de ter seu ouro mais precioso roubado: a energia vital."

Também há competição entre os curandeiros. Brigas podem levar a interferências remotas nas sessões de um rival, que deve ser capaz de proteger seus pacientes.

-O cacto San Pedro oferece uma experiência mais "solar", ao contrário da ayahuasca, relacionada com a lua e a noite. É assim?
-Sim. Cada planta sagrada tem sua identidade, sua entidade. Ayahuasca implica um trabalho duplo, que para mim atua em uma freqüência astral inferior.

Para ser eficaz, é necessária uma mistura da própria ayahuasca, que contém alcalóides beta-carbolínicos, e Psychotria viridis, que fornece dimetiltriptamina (DMT).

"Cada planta sagrada tem sua identidade, sua entidade."

O wachuma ou cacto de San Pedro contém 20 alcalóides entre os quais se destaca a mescalina. É uma planta sem essa dualidade, mais crística, de energia mais pura. Eles a chamam assim porque dizem que ela ajudou São Pedro a encontrar as chaves do céu.

-É comum vomitar durante essas experiências?
-Sim. Muitas pessoas vomitam com ayahuasca e se divertem muito nessa fase do processo. É mais como uma purga energética e existencial do que digestiva. Em San Pedro também pode acontecer.

O vômito acontece basicamente quando você perde o equilíbrio. É como andar na corda bamba de um abismo. E quando você não sabe andar, você cai. O expurgo pode ajudá-lo a se levantar.

-Depois dessa catarse curativa, como é o retorno à vida cotidiana?
-Tirar ayahuasca às vezes é como mostrar um filme de situações da sua vida em movimento. E uma vez que a caixa de Pandora foi aberta, é difícil reter e integrar essas experiências.

Se alguém toma ayahuasca no fim de semana e vai trabalhar na segunda-feira, basicamente o que vai ficar confuso. Na Amazônia, é feito em um contexto natural.

“Estamos falando de plantas muito poderosas, com grande capacidade de cura espiritual, mas não para uso em ambiente urbano”.

A planta pode mostrar seus conflitos pessoais; agora, sem mais trabalho, aquela porta se fecha facilmente novamente. Então a pessoa se sente parte de seu dia a dia.

Essa divisão cria sofrimento interno. Estamos falando de plantas muito poderosas, com grande capacidade de cura espiritual, mas não para uso em ambiente urbano.

-Muitos curandeiros usam tabaco. Como funciona?
-O suco de tabaco ajuda a eliminar o lastro em vários níveis. As culturas pré-colombianas consideram-no o rei das plantas, pois combina bem com todas elas. Gerenciar isso requer um longo aprendizado.

"Eles são 'curandeiros' porque carregam remédios em seus próprios corpos."

Além de dar de beber, o charuto usa a fumaça para testar o paciente, espalhando-a pelo corpo, o que dá um diagnóstico. Eles são "curandeiros" porque carregam o remédio em seu próprio corpo, e o tabaco é sua ferramenta, assim como o bisturi para o cirurgião.

-Como o curandeiro te ajuda?
-
Para mim é o companheiro. Mostra um caminho para a autocura. Ajuda você em um processo de transformação. Mas o verdadeiro professor no final é você mesmo.

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