"Se você quiser saber as cores da moda, olhe os rios da China"

Manuel Nunez

A especialista em moda sustentável Bea Valdivia nos explica quais são os desafios que devem ser superados para que nosso guarda-roupa não seja um problema para o planeta.

Bea Valdivia é consultora especializada no setor ecológico e criadora dos Eco Fashion Latam, Ecoluxehub e Moda en Positivo, plataformas de fomento ao financiamento e comercialização de novas marcas de moda sustentáveis ​​e responsáveis.

Também colabora com a Biocultura, a grande feira espanhola de produtos orgânicos que organiza workshops e o espaço Planeta Moda a cada edição. Conversamos com ela sobre os desafios atuais da moda em relação à sustentabilidade, saúde e responsabilidade social.

Entrevista com Bea Valdivia, especialista em moda sustentável

-Que trabalho você está desenvolvendo agora com a Biocultura na área de moda sustentável?
-A BioCultura desde a sua criação há quase 30 anos sempre teve um espaço dedicado ao setor têxtil e calçadista. Na década de 90 fizemos o primeiro desfile sustentável com as poucas marcas que existiam naquela época. Há quatro anos, quando vimos que a moda sustentável já era um setor de crescimento imparável, decidimos dar-lhe mais destaque. Assim nasceu o Planeta Moda.

"Queremos ir para o início, ou seja, para a recuperação de safras ecológicas de fibras naturais que estão se perdendo em nosso país e, a partir daí, promover uma produção limpa."

-O que encontramos no Planeta Moda?
-É um espaço dedicado a expositores de roupas, calçados, acessórios, bolsas, joias e acessórios feitos com matéria-prima ecológica ou reciclada. Mas também queremos ir ao início, ou seja, à recuperação de safras ecológicas de fibras naturais que estão se perdendo em nosso país e, a partir daí, promover uma produção limpa.

Organizamos um amplo programa de palestras e workshops dedicados tanto a profissionais do sector como a estudantes ou consumidores, nos quais abordamos técnicas mas também inovação, comunicação ou marketing, styling ou qualquer iniciativa relacionada com a moda sustentável.

- Em que consiste a sua iniciativa Ecofibra?
-É um projeto que iniciamos este ano e que se desenvolve no âmbito do Programa Employaverde da Fundação para a Biodiversidade do Ministério da Agricultura e Pescas, Alimentação e Ambiente, cofinanciado pelo Fundo Social Europeu. E é dirigido a freelancers, empresários ou colaboradores que trabalhem ou pretendam trabalhar no sector têxtil sustentável, quer seja da produção de fibras naturais, do fabrico de têxteis, do design ou da comercialização. O objetivo é divulgar o setor da moda feito com fibras têxteis locais e sustentáveis.

“O objetivo é promover o setor da moda feito com fibras têxteis locais e sustentáveis”.

-Onde as pessoas interessadas devem ir?
-Temos um site, www.ecofibra.es, onde é disponibilizada toda a informação necessária para aceder a estes cursos, tanto online como presenciais. O projeto desenvolve-se em duas Comunidades Autónomas: Andaluzia, porque aí se concentra o algodão cultivado em Espanha, e Catalunha, devido à sua relação com a indústria têxtil.

-Quais são os principais desafios da produção sustentável?
-A boa notícia é que cada vez mais marcas novas e existentes estão direcionando sua filosofia para a sustentabilidade, mas existe uma grande necessidade de matérias-primas acessíveis, principalmente para pequenos designers e oficinas.

Encontrar a fibra, os tecidos, no ambiente imediato reduziria os custos de produção. Estamos achando difícil produzir localmente safras de fibras naturais, como algodão orgânico ou cânhamo.

É necessário um maior consumo de moda sustentável também no nosso país, que ainda se encontra bem abaixo da média europeia. Isso significa que algumas marcas não podem sobreviver dois anos após sua criação ou que, caso o façam, devem combiná-la com outras fontes de receita.O maior desafio é trabalhar em equipe para alcançar maior sustentabilidade.

-É muito caro para todas as nossas roupas serem sustentáveis ​​e responsáveis?
-Não é caro, porque muda o conceito de consumo, ou seja, consumimos de uma forma melhor: em busca de peças de maior qualidade e durabilidade, pagas a um preço justo. A chamada “fast fashion” tem prejudicado muito o setor da moda porque se perdeu o conhecimento do valor das coisas bem feitas e de qualidade.

Muitos acham que uma camisa custa € 3, e sempre digo que se eu pagar esse preço, alguém vai perdendo no caminho. Basta um pouco de matemática: se contarmos o agricultor, o tecelão, o designer, aquele que o faz, aquele que o transporta e aquele que o comercializa, como diz uma salsa: “não há cama para tanta gente” .

"Muitos acham que o preço de uma camisa é de 3 euros, e sempre digo que se eu pagar esse preço alguém vai perdendo no caminho."

-O barato sai caro.
-O que custa caro são as condições de trabalho de milhares de trabalhadores do setor têxtil, a perda de empresas e empregos que a deslocalização gerou. Ainda falta conscientização e treinamento em moda sustentável. Hoje quem vende deve ao mesmo tempo treinar, para passar qual é o verdadeiro valor de cada peça e que o consumidor não olha só para o preço.

-Não sabemos como são produzidas roupas tão baratas … ou não queremos?
-Desde o infortúnio do Rana Plaza, felizmente, não deixamos de ter consciência das condições deploráveis ​​de muitos trabalhadores através de inúmeros documentários, e não apenas na Ásia. Depois, há a quantidade de danos ambientais.

Você sabe o que dizem, que se quiser saber qual é a cor da moda da próxima estação, basta ver a cor dos rios da China. Mas as consequências estão próximas. Percebemos isso quando vemos que lojas em nosso bairro ou empresas em nossa cidade estão fechando, ou são membros de nossa família que ficam sem trabalho. Quando nos toca de perto dói!

"Você sabe o que dizem, que se quiser saber qual é a cor da moda para a próxima temporada, basta ver a cor dos rios na China. Mas as consequências estão próximas."

-E são os efeitos para a saúde dessas roupas cheias de produtos químicos …
-É outro motivo pelo qual muitos consumidores fazem a mudança, a grande quantidade de toxinas que são utilizadas na indústria têxtil e que adoecem com Sensibilidade Química Múltipla, por exemplo. Um estudo recente afirma que os setores que mais se preocupam com a moda sustentável são os futuros pais (todos queremos o melhor para nossos filhos) e os millennials.

-Quais são as iniciativas mais interessantes a nível espanhol em relação ao setor da moda sustentável?
-Acho interessante que várias associações de moda sustentável tenham sido criadas em diferentes comunidades, pois tem permitido que muitos profissionais unam forças e compartilhem sinergias. Também crescem as cooperativas e oficinas produtivas com projetos de inclusão social.

Por outro lado, blogueiros, apps, personal shoppers e estilistas com uma filosofia de consumo responsável proliferaram no setor de comunicação.

Na esfera social, muitas campanhas têm sido desenvolvidas em defesa de melhores condições de trabalho para os trabalhadores do setor têxtil, lideradas por ONGs. Por fim, a oferta formativa também está crescendo.

-E internacionalmente, o que chamou sua atenção?
-O projeto Fashion Revolution Day, que relembra a tragédia de Rana Plaza, tem sido muito popular. No dia 24 de abril, diversas ações serão realizadas em diversos países do mundo para refletir e nos perguntar quem faz nossas roupas.

E o projeto pessoal de Livia Firth Eco Age também teve muita ressonância, pois trouxe a moda sustentável para o topo das passarelas. Há poucos dias, ele teve um evento único em que ninguém menos que a Rainha Elizabeth da Inglaterra esteve presente no Palácio de Buckingham.

Em outra escala, muitos pequenos projetos também apostam na moda ética, como as plataformas Foro de Moda Ética e Eco Fashion Latam, que dão visibilidade aos países latinos, que despontam como espuma em iniciativas sustentáveis.

“Muitos pequenos projetos também apostam na moda ética, como as plataformas Foro de Moda Ética e Eco Fashion Latam”.

-Que novidades importantes existem no mundo das novas fibras?
-Aqui está uma gama fantástica de possibilidades. Partimos da recuperação de fibras naturais como o cânhamo e outras surgem como o bambu, a flor de lótus ou as diferentes variedades de fibras de árvores como o Lyocell ou o Tencel.

Depois, há tecnologias que criam novas fibras a partir da reciclagem de outras, e as fibras também são criadas a partir de resíduos como, por exemplo, café ou cascas de laranja. Novos materiais estão sendo criados para "substituir" os couros pelos chamados "couros vegetais", de abacaxi, leite ou cogumelos.

-Todos esses materiais são ecológicos?
-Existem muitas discussões, porque às vezes os processos de produção de algumas dessas fibras não são sustentáveis ​​o suficiente, mas muito progresso está sendo feito. Existem entidades e empresas que apostam na investigação de novos materiais. O mais espetacular que ainda não está à venda: uma fibra feita de teia de aranha.

-O futuro passa pela redução do consumo em geral?
-Mais do que reduzir, desenvolver um consumo mais responsável. Isso não significa que consumimos menos, mas melhor.

-Quanta consciência sustentável existe entre os produtores convencionais?
-A medição seria difícil, mas posso dizer que está aumentando porque não podemos ignorar as consequências das mudanças climáticas ou a quantidade de resíduos que geramos. Além disso, a pressão do consumidor também está crescendo. As marcas estão sentindo que essa é uma necessidade do mercado.

“Não podemos ignorar as consequências das mudanças climáticas ou a quantidade de resíduos que geramos”.

-Você pode nos dar alguns conselhos práticos para tornar nossa relação com o vestuário mais sustentável?
-Primeiro faça uma boa análise do seu guarda-roupa: veja o que funciona, o que não funciona mais, o que pode ser reciclado ou customizado e o que realmente vale a pena dar, trocar ou vender porque você não vai mais usar. Não te enganes!

Crie o seu guarda-roupa com peças básicas que podem ser combinadas, com as cores e formas que mais se adequam ao seu físico, sejam ou não cores da moda. Estar na moda é criar seu próprio estilo!

E quando você realmente precisar de uma peça para completar seu look, saia e procure, mas compre com consciência: veja com que materiais ela é feita, se eles respeitam o meio ambiente e se as marcas são de qualidade e socialmente responsáveis.

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