Quarentena como casal, contas pendentes e angústia: bum!
María José Muñoz (psicoterapeuta)
Duas pessoas com contas pendentes coexistem no mesmo espaço-tempo devido a um confinamento obrigatório. Um inimigo externo invisível os está angustiando soberanamente. Uma combinação explosiva. Como essa história termina? Se a situação explodirá dependerá de seus protagonistas.
Em nome do amor, estabelecemos uma série de pressupostos em nossos relacionamentos que nos levam a criar inconscientemente uma "contabilidade" emocional. O saldo das contas, em geral, costuma ser negativo. Essa forma de trabalhar, esses equilíbrios, são comuns em nossa vida cotidiana, nos diversos campos e características de nossa existência e nos deveres que a saturam.
Mas o que acontece quando as contas se concentram no mesmo espaço-tempo e com a mesma pessoa devido ao confinamento obrigatório? Se acrescentarmos também que existe um inimigo invisível lá fora que nos aflige muito, a combinação pode se tornar explosiva. A atitude adotada pelos protagonistas em cada caso determinará que esse material explosivo exploda de forma destrutiva ou se transforme em um foguete divertido.
Dívidas pendentes e reclamações durante o confinamento
Na medida em que os nervos estão na superfície durante o confinamento, qualquer elemento, tarefa ou questão que surja no dia-a-dia pode ser uma fonte de conflito. A "dívida" emocional pode ser desestabilizada por pequenas questões: quem faz as compras, a comida ou quem faz a lição de casa dos filhos (se houver). O complicado é que muitas dessas questões serão sobrecarregadas pelo que consideramos dívidas anteriores.
Assim, quase incontrolavelmente, surgem as censuras: quem faz mais, quem faz menos, quanto você investiu e quanto eu investi. Não é que você não precise ser justo nas distribuições, mas às vezes você quer cobrar seu preço do passado.
Por que somos tão exigentes com nossa contabilidade emocional como casal? Partimos do princípio de que quem mora conosco é quem melhor nos conhece e, portanto, é quem, ou quem, melhor nos compreenderá. Pensamos que compreenderão qualquer um dos nossos gestos, resignações ou atenções que visem a sustentação do projeto comum. Isso é verdadeiro e falso. E esse pensamento está na origem de muitas dívidas e deveres que carregamos do passado.
Certamente, é verdade que é o nosso parceiro quem pode nos compreender melhor, porque é com quem podemos nos mostrar mais como somos. Não temos que manter as aparências e nos permitimos tirar nossas frustrações e misérias. Que também tem o reverso. Nele os esvaziamos, como um recipiente de reciclagem, e muitas vezes fazemos deles a sua causa.
Mas, cuidado, porque se partirmos da premissa de que eles sabem muito sobre nós, então eles teriam que saber tudo, teriam que perceber o que cada uma de nossas expressões pretende comunicar, em qualquer lugar e em qualquer momento de nossas vidas. Do contrário, acreditamos que haja uma má intenção subjacente, que ficará armazenada em nossa conta emocional, na forma de dívida.
Dois tipos de dívidas e duas formas de reclamar
Quando dívidas pendentes são reclamadas, é quando surgem discussões. Existe um estilo diferencial nessa forma de cobrança de dívidas.
- Afirmando ser totalmente aceitos como somos
Se chegarmos ao fundo, veremos que há pessoas que querem a aceitação total do outro. Do contrário, eles não se sentem reconhecidos ou amados. Quando reclamam a dívida (algo que alguns homens fazem quando são pressionados a falar), costumam dizer algo como: "Não entendo por que você fica com raiva se eu já faço coisas".
Por trás dessas palavras o que se esconde é uma profecia autorrealizável: "Você não me ama mais! Você não me aceita mais como eu sou!", Que fecha as portas ao diálogo porque tudo será lido a partir desse código.
- Exija que o outro descubra o que precisamos em todos os momentos
Esse estilo é totalmente o oposto. É querer sugerir que as circunstâncias, os personagens do ambiente, as formas de manifestação … mudam e, portanto, as necessidades que eles acarretam também. Exigem que o casal aprenda a ler os sinais não como algo fixo, imutável e total, mas como algo dinâmico, exigem a cumplicidade do parceiro. Essa posição é mais frequente entre as mulheres, embora não exclusivamente.
A mensagem subjacente é que não existe amor incondicional entre adultos e existe a possibilidade de compartilhar. É uma outra forma de ver as relações, mas em muitos momentos se choca com a anterior.
Como evitar que relatos emocionais terminem o relacionamento
Temos, então, a mesma linguagem, mas dois códigos diferentes e, em certa medida, opostos. Como sair do atoleiro? Com o confinamento temos mais tempo, então:
- Vamos começar a trazer à tona, com nosso parceiro, fantasmas, reflexões, teorias, medos e também censuras.
- Vamos nos preparar para uma boa tempestade, aguaceiro ou terremoto. Certamente será a primeira coisa a surgir.
- Não vamos desistir. Vamos continuar conversando, se não naquela hora, então em outra. Vamos tentar fazer com que nosso interlocutor desvende as chaves e a lógica de seus comportamentos, porque muitas vezes nem eles nem você sabem o que são. É preciso ter paciência e coragem para poder ouvir argumentos que talvez não gostemos nada, mas que o enquadramento nos dá como ponto de partida.
- Faremos o mesmo expondo nossa própria maneira de interpretar a vida e os relacionamentos. Tentaremos agora, criar uma certa empatia em relação às motivações da nossa raiva, o que nos faz sentir e a forma como entendemos o amor.
Isso significará desvanecer gradualmente a teoria do outro sobre nossos comportamentos.
- Estaremos criando um novo quadro. Saber um pouco mais sobre o outro, que vai misturar os dois códigos e que, com certeza, nos permitirá fundir e diluir os limites absolutos sobre os quais repousam nossas defesas, medos e expectativas.
- Isso não implica que se consiga uma combinação exata das duas formas de ver e viver a vida, mas implica um maior conhecimento de quem temos pela frente e de um processo que pode nos ajudar em outros momentos de convivência.
O desafio do casal será continuar a descobrir-se, sem que isso seja vivenciado de forma persecutória e negativa.
- Também teremos que aprender a respeitar que existem maneiras de desfrutar coisas e situações muito diferentes. Nem tudo acontece por compartilhamento, ou por falta de crítica. A peculiaridade de cada membro também deverá ser respeitada.
- Todos partimos da procura de um Ideal de amor, seja como encontrar uma Unidade sem lacunas, seja como uma complementaridade perfeita. Porém, no ser humano, isso só pode ser produzido parcialmente, o que não precisa ser ruim.