3 passos para recuperar nossa humanidade
Xavier Torró
Ser 'humano' significa estar em contato profundo consigo mesmo e com os outros. Para isso é preciso recuperar a capacidade de prazer, integrar os valores éticos à nossa consciência e transformar a competitividade em colaboração.
Vivemos um período de enfraquecimento do valor da vida humana: a competitividade, a produtividade, a aceleração do cotidiano, o esvaziamento das relações sociais, a onipresente tecnificação e o isolamento em um mundo superpovoado faz com que muitos de nós se sintam cada cada vez mais vazio, solitário e frustrado.
A história da humanidade viu momentos de apogeu do pensamento humanístico e momentos de eclipse. Assim, tem-se falado de um humanismo antigo desenvolvido pela filosofia e literatura grega e romana. Mais perto dos nossos dias, encontramos o humanismo renascentista, que opõe, à visão do homem medieval, um homem que recupera a criatividade, a sua capacidade de transformar o mundo e a sua vontade de construir o seu próprio destino com esforço.
É necessário que voltemos ao pulso da vida e coloquemos o ser humano no centro dos processos sociais. Mas como podemos recuperar nossa humanidade? Acho que existem três fatores principais que podem nos capacitar.
1. Recupere nossa capacidade de prazer
Entendemos o prazer em um sentido amplo: curtir todos os momentos de nossa vida, de relacionamento com nosso parceiro, no trabalho, com nossos filhos, em um passeio na montanha, ao pôr do sol ou durante uma conversa com os amigos. Essa atitude expansiva é, segundo o psiquiatra Wilhelm Reich, a manifestação básica da vida, mas o peso da cultura impede sua expressão e a transforma em contração e, portanto, em destrutividade e sadismo social.
Para recuperar nossa humanidade é necessário nos conectarmos com nosso corpo, com nosso ritmo, com nossas necessidades; compreendê-los e colocar os meios à sua disposição. Como pais e educadores, devemos facilitar a expressão das reais necessidades dos mais jovens para que se liguem a si próprios, afirmando-se no seu ser. Mas para viver o que fazemos com prazer, precisamos de amor.
Só com amor podemos enfrentar cada momento de nossa vida com dedicação e abandono. O amor é uma força tão poderosa que favorece o crescimento e o desenvolvimento dos seres vivos, facilita a felicidade ao curar feridas e permite a alegria afastando a tristeza. Devemos reinventar nosso mundo, nossas instituições e nossos relacionamentos baseados no amor. Só então podemos recuperar o prazer de viver.
2. Refletir sobre nossos valores éticos
Seria necessário resgatar uma série de valores éticos que nos permitem estruturar a vida social e nela encontrar sentido. Porém, os valores que permitem o enraizamento da vida do ser humano não devem surgir em nós por imposição de ninguém, nem devem ser assumidos mentalmente por medo do castigo divino ou humano. Para que os valores realmente façam sentido, eles devem surgir de nossa própria natureza ou como algo vivido ao longo de nosso desenvolvimento.
Somente os humanos refletem sobre uma ética que nos permite encontrar significado em nossa existência individual e social como espécie.
Segundo Jean-Jacques Rousseau, a ética deve se basear na natureza humana e, especificamente, em dois sentimentos básicos: "amor próprio" e "piedade". O "amor de si mesmo" seria comparável ao instinto de conservação que busca satisfazer nossas necessidades de sobrevivência e adaptação. Mas Rousseau diferencia o "amor próprio" do "amor próprio" ou egoísmo, que surge na sociedade e é a causa da degeneração do ser humano.
O "amor próprio" nos induz a nos compararmos com os outros e a buscar sermos levados em consideração pelos outros, multiplicando nossas necessidades até a escravidão. A "piedade", por sua vez, seria a relutância natural em ver morrer ou sofrer outro ser sensível, e fundamentalmente o nosso próximo. Rousseau considera a "piedade" a base da moralidade e afirma que sem ela seríamos como monstros. A partir desses dois sentimentos naturais, desenvolver-se-ia tanto a moralidade como forma de relacionamento humano, quanto a lei natural como sistema normativo para regular nossa organização social.
Relacionado ao conceito de "piedade" de Rousseau está o conceito moderno de "empatia", entendida como a capacidade de compreender e até sentir as emoções e afetos do outro. Atualmente , a empatia é considerada como uma disposição natural, inata, que se concretiza no ser humano por meio de dois procedimentos: a observação de um conflito em que o observador tende a tomar partido de uma das partes e a narração de histórias pelas quais o observador busca ver e compreender o mundo pelos olhos do outro.
Ambos os procedimentos começam a ocorrer com as primeiras experiências de socialização da infância. Porém, para que essa capacidade empática seja devidamente integrada, precisamos nos sentir acompanhados e respeitados, além de protegidos.
Uma relação de respeito com o ritmo de crescimento dos nossos filhos, com a satisfação das suas necessidades e com a expressão dos seus sentimentos, permite uma incorporação à consciência da sua imagem corporal e do seu verdadeiro eu. Caso contrário, ocorre uma perda progressiva de contato com nosso corpo e, para compensar essa perda, uma imagem idealizada de si mesmo é criada e uma incapacidade de se conectar com nossos sentimentos.
3. Transforme nossa competitividade em cooperação
À medida que a sociedade industrial se desenvolveu, caímos no individualismo e na competição. A vida social tornou-se uma luta pela sobrevivência na qual fomos levados a acreditar que aquele que triunfa é o mais forte, o mais talentoso. No trabalho, nas salas de aula, nas equipes esportivas, em muitas áreas da vida social, nossos pares se tornaram nossos concorrentes, transformando a abertura e a aceitação em desconfiança e inveja.
Os empregos e as atividades humanas, em geral, têm sido preenchidos por rotinas mecânicas e regras rígidas que impedem ver o outro em sua singularidade. A incorporação massiva da tecnologia na sociedade tem contribuído para nos isolar e transformar nossa relação com o outro em algo mecânico e frio.
Devemos e podemos agir sobre o assunto e transformar essa forma de viver que nos leva à infelicidade e ao vazio existencial.
Não somos animais competitivos, egoístas e sanguinários, mas animais sociais: buscamos relacionamento, comunicação e cooperação. Alguns etologistas concluíram que somos animais "falantes" que buscam o contato pelo prazer de conversar e estar entre nossos semelhantes. Quando nos sentimos mal ou inquietos, gostamos de ser ouvidos, isso nos relaxa e ameniza o desconforto. Gostamos também de ensinar o que sabemos, compartilhar conhecimentos e nos sentirmos acompanhados em nossa maneira de ver o mundo. As crianças pequenas, e a maioria das pessoas ao longo da vida, procuram conformar-se ao grupo para se sentirem confortáveis.
A antropologia tem mostrado que os feitos mais importantes de nossa espécie são produtos de empresas cooperativas ou grupos humanos que interagem para atingir um propósito específico: como a caça, a divisão social do trabalho ou a organização familiar. Para alguma coisa, os gregos definiram o ser humano como um ser social por natureza. Ou como dizem os antropólogos modernos: o homo sapiens está adaptado para agir e pensar cooperativamente. O psicobiólogo Michael Tomasello mostrou que crianças pequenas tendem a ser cooperativas e prestativas em muitas situações. Essa inclinação não surge porque os pais reforçam certos comportamentos cooperativos.
Em suas experiências, ele mostrou que as crianças tendem a compreender a situação de quem está em dificuldades e por isso as ajudam. À medida que ganham independência, tornam-se seletivos e oferecem sua cooperação às pessoas que não se aproveitam deles e tendem a retribuir o favor.
Tomasello deriva esta cooperação da ideia de “mutualismo”: todos nós nos beneficiamos da cooperação, mas somente se trabalharmos juntos, se colaborarmos.
Nos seres humanos, o que é mais eficaz como uma sociedade não é a rigidez das funções sociais, mas a cooperação ea capacidade de realizar projetos em conjunto que geram expectativas mútuas. Reinventar-nos não passa por criar um ser humano meio homem meio máquina, mas sim corrigir os desvios que nos impedem de nos ligarmos à nossa natureza humana e de vivermos a vida individual e coletivamente de forma mais agradável e completa. Acontece também para recuperar o sentido da nossa existência, resgatando os valores propriamente humanos, a capacidade de prazer, cooperação e comunicação com o próximo.