Aprender a viver nunca acaba
Dr. Daniel Bonet
Desde o primeiro suspiro avançamos por um dos mais belos e complexos caminhos que a vida na Terra oferece: a arte de ser humano. Um caminho que é tão fácil de sair quanto de entrar novamente.
O carinho de uma mãe, o azul do mar, o sabor das cerejas, o olhar de um cachorro, a chuva atrás das janelas, o perfume do jasmim, a neve na montanha, a noite silenciosa, o riso de uma criança, as lágrimas de um adeus … Pequenos tesouros no olhar e na memória, inventário de belos momentos no meio das brumas do tempo.
Todos nós vivemos situações, agradáveis ou não, mas que nos questionam sobre o sentido de nossas vidas. Porque, independentemente da idade, raça ou diferença de gênero, os seres humanos são essencialmente os mesmos, rimos e choramos de coisas semelhantes.
A atividade do recém-nascido se limita a comer e dormir. Como se fosse uma planta, ela cresce tanto física quanto emocionalmente, em ressonância com a luz e o ar, que em nível psicológico são emoções e pensamentos. Até atingir, ao longo dos anos, um maior grau de compreensão do que significa viver.
Aprendizagem contínua da vida
Aprender sobre a vida é algo que nunca acaba, pois são inúmeras as experiências que podem ocorrer.
Apesar de virmos ao mundo quase sem saber, ao contrário dos animais que agem rapidamente segundo os seus instintos e de forma programada, com a ajuda dos que nos precedem - pais e professores - estamos a tomar consciência de um saber inato que só precisa de ser despertado. Em nós.
Existem muitas definições de humano, uma delas bem poderia ser considerada como a de um ser que se pergunta o porquê das coisas. Desde a infância, fazemos a nós mesmos muitas perguntas e assim por diante ao longo de nossas vidas. Eles fazem perguntas por curiosidade, pelo desejo de conhecer ou de se encontrar. Porque sabemos que ignoramos e, ao mesmo tempo, ignoramos muitas coisas que sabemos.
O ser humano é um "animal celestial"
No simbolismo taoísta, a realidade é definida por uma "grande tríade" composta da Terra abaixo, do Céu acima e do Homem no meio. Essa imagem não está longe da concepção medieval do ser humano como um microcosmo ou compêndio do universo.
Os quatro reinos da natureza estão representados em nós. Existe uma parte "mineral" ou estrutural, uma parte "vegetal" que corresponde às funções corporais automáticas e uma parte "animal" ou sensível que implica consciência em relação ao meio ambiente. A parte propriamente "humana" é representada pela mente racional e pela capacidade de autoconsciência. Matéria, Vida e Espírito, os três níveis da realidade universal, manifestam-se igualmente em nossa individualidade.
É por isso que podemos encontrar traços que compartilhamos com os animais (necessidade de alimento, instinto reprodutivo, agressividade quando nos sentimos agredidos), mas há algo de essencial e qualitativo que nos distingue deles: a consciência de si e a liberdade de escolha. Podemos usar esse poder para o bem ou para o mal.
O ser humano possui uma singularidade especial no seio da natureza, como evidenciado por sua posição vertical, tanto a linguagem falada quanto a escrita, a habilidade das mãos em construir ferramentas, bem como o senso de humor e estética, o fato de para enterrar seus mortos esperando por uma outra vida … Como disse Heidegger: "A essência do homem é que ele é mais do que um mero homem (…), mais do que um animal racional".
Masculino e feminino
O gênero humano é representado por homens e mulheres, que expressam o masculino e o feminino, por meio de polaridades opostas e ao mesmo tempo complementares, como o yin-yang inscrito dentro de um círculo com os dois princípios que se engendram mutuamente e o de seu dentro eles carregam a semente de seu oposto.
Assim, no corpo masculino também existem hormônios femininos e no feminino, masculinos, embora os de cada sexo predominem. Os dois hemisférios cerebrais também mostram essa dualidade, assim como, em geral, a simetria esquerda-direita do corpo.
Para que cada ser humano integre, em proporções variadas, o masculino e o feminino. Dependendo do momento e das circunstâncias, um homem pode expressar uma sensibilidade que costuma ser atribuída ao feminino, e uma mulher, uma capacidade de luta considerada masculina. E sem a necessidade de se perder a identidade de cada gênero.
Também no campo psicológico das ideias e emoções é possível distinguir entre duas formas de mentalidade: o pensamento "lógico" e o pensamento "mágico".
O primeiro corresponde ao princípio masculino: retilíneo, conceitual, analítico, teórico. A segunda, inicialmente feminina: curvilínea, imaginativa, amorosa, intuitiva, poética. Dentro da filosofia grega, a mãe do pensamento ocidental, Aristóteles representaria a tendência lógica e científica, enquanto Platão, o mágico ou simbolista.
Há pessoas em que predomina uma dessas formas de pensar, assim como acontece socialmente em determinados períodos da história.
A mentalidade feminina apresenta analogia com o telúrico, o mar, a fluidez, a vegetação, a vontade de fincar raízes. Enquanto o masculino tende a se afastar, ao caminhar ou navegar.
Em muitas tradições espirituais - por exemplo, a Cabala Hebraica, o Sufismo Islâmico ou o Tantrismo Hindu-Budista - "saber" é considerado masculino e "sabedoria" feminino.
Mas ambos os princípios são necessários para a vida e a sociedade, mantendo um equilíbrio adequado. Porque, simbolicamente falando, um excesso do masculino ("fogo") pode levar a uma certa rigidez ou secura, e no caso do feminino ("água") a um amolecimento.
O teste do labirinto
A possibilidade do livre arbítrio, que vimos caracteriza o ser humano, está na origem de suas misérias e grandezas. Somos responsáveis por nossas decisões, para o bem ou para o mal. Essa é a ideia do karma, que nossas ações - atos, palavras ou pensamentos - carregam consequências que podem ser positivas, negativas ou neutras.
Dentro da roda cíclica do samsara em que estamos de acordo com o budismo e o hinduísmo, tudo está mudando continuamente, à medida que o carma pessoal e coletivo é adicionado. E muitas vezes é difícil prever eventos futuros devido aos múltiplos fatores em jogo. Assim como a situação no tabuleiro muda de acordo com os movimentos das peças.
Além da roda, outro simbolismo nos faz ver nossa situação existencial, a do labirinto. O fato de ser livre (ainda que relativamente, já que existem fatores condicionantes que influenciam as decisões) muitas vezes implica uma situação de insegurança e confusão. Essa mistura de medo e emoção para superar a prova sentida por quem entra em um labirinto de jardim.
Muitas vezes escolhemos caminhos na vida que nos obrigam a retroceder, mas nos movemos sabendo que existem alguns que nos levam ao centro. Essa certeza nos ajuda a seguir em frente e passar nos testes. Saber que existe um centro, uma saída para os problemas, nos conforta à medida que avançamos em nossos circuitos diários.
A lei do karma é inevitável, toda ação implica uma reação. Mas isso não significa que não possamos compensar ou neutralizar o delito.
A prática do budismo envolve, por exemplo, a possibilidade de obter "mérito" espiritual para purificar esse carma negativo. Muitas práticas religiosas têm o mesmo significado: fazer o bem e evitar o mal. Para que seja mais viável chegar ao "centro" e conseguir sair do labirinto.
O que é autoatualização?
O caminho da felicidade implica, segundo Abraham Maslow em sua famosa "pirâmide", ser capaz de satisfazer as diversas necessidades humanas. De forma hierárquica, as necessidades básicas ou fisiológicas vêm em primeiro lugar, como fome e sede. Depois veio a segurança física e mental. Quando eles estiverem satisfeitos, podemos voltar nossa atenção para o amor e o sexo.
No nível seguinte estão a auto-estima e o sucesso. E no topo estaria a autorrealização, por exemplo através da arte. Aqueles que atingem esse nível tendem a ter boa saúde psicológica, têm energia vital, são pessoas ponderadas e realistas, aproveitam a vida, têm seus próprios critérios e são sensíveis às necessidades dos outros.
Da perspectiva do Vedanta, Swami Dayananda afirma que existem três necessidades humanas principais. A primeira é a busca pela segurança (artha), por isso queremos dinheiro, prestígio, poder. O segundo seria o prazer (kama), as diversões de todos os tipos. Terceiro, comportamento adequado (dharma), o discernimento entre o certo e o errado.
Em outras palavras, a busca por segurança e prazer pode ser inteiramente legal se equilibrada levando-se em conta uma ética baseada em valores universais. Se, por exemplo, para obter riqueza e prazer você tem que roubar ou matar, isso não pode ser considerado aceitável.
Seguir um critério baseado no dharma é mais fácil e mais compreensível se adicionarmos às três necessidades mencionadas uma quarta, o objetivo último da condição humana: "liberação" (moksa), um estado de paz e realização.
Qual é então o sentido da vida? Bem, viva, abra-se para o mundo, aproveite o que é bom e belo, mas sem esquecer que o objetivo principal é amadurecer como pessoa e também espiritualmente.
Aspiramos à felicidade, o que é?
Em geral, buscamos a felicidade, o que, em outras palavras, é "estar contente". Quando dizemos que estamos felizes, queremos expressar não um estado de euforia, mas uma combinação agradável de alegria e satisfação por algo que foi devidamente realizado. Mas essa palavra também se refere à capacidade de mostrar calma mesmo nos casos em que o que é esperado não acontece.
Entre querer e conseguir, muitas vezes existem fatores ocultos ou imprevisíveis. Às vezes você ganha e às vezes você perde. E foi o que os filósofos estóicos aconselharam: não perturbe a sua mente diante do inesperado ou do inevitável.
O contentamento também é um dos ingredientes da felicidade e de uma boa atitude. Consiste em valorizar o que você tem em vez de desejar o que não tem e sofrer por causa dessa insatisfação. Tudo está na mente, a mesma experiência é vivida de forma diferente por cada pessoa dependendo de sua atitude.
O sucesso geralmente é medido pelo cumprimento de metas que não estão disponíveis a todos e que são preenchidas com prestígio. Mas o perigo de desapontamento ou mesmo desespero permanece se o objetivo não for alcançado. A sabedoria consiste em fazer o que é necessário para alcançar o que você deseja, mas ficando um pouco à margem do sucesso ou do fracasso. Nas palavras de Giovanni Papini: “Cada homem paga a sua grandeza com muitas pequenas coisas, a sua vitória com muitas derrotas, a sua riqueza com várias falências”.
Chaves: amor e liberdade
A vida é um processo de aprendizagem, através do tempo e do espaço, para conhecer nosso verdadeiro Eu, o centro imutável, distinto do ego e seus apegos. Existe uma sabedoria inata que pode se desenvolver.
Mas não aprendemos apenas com experiências agradáveis, mas também com aquelas que não o são. Por exemplo, a morte de um ente querido. É difícil entender que a morte não é inteiramente real e que há algo imutável dentro de nós que não pode deixar de ser.
Como escreveu Pascal: "O que é o homem na natureza? Nada com respeito ao infinito, tudo com respeito a nada, um intermediário entre nada e tudo."
A natureza é governada por leis que não mudam: a água flui para baixo, a órbita das estrelas segue as forças gravitacionais, as plantas emergem da terra no ar e na luz e os animais se contentam com sua alimentação diária. Mas o ser humano foge do fácil e do repetitivo, em busca da novidade e do desafio de se superar. Está em sua natureza o amor à liberdade e também a liberdade por meio do amor. A descoberta da unidade além da diversidade aparente.
Dizemos que a vida é ou pode ser uma arte porque os seres humanos amam a beleza e a justiça. E ambos se baseiam na proporção e na harmonia, assim como a música, a pintura ou a poesia. É assim que o Tao Te Ching descreve o comportamento de quem reconhece a unidade interior:
O sábio não age para acumular
, quanto
mais dá aos outros, mais tem para si.