"O silêncio favorece a criatividade e a criação de novos neurônios"

Silvia Diez

O silêncio cura, ativa a criatividade e melhora nosso desempenho geral. É a conclusão do neurocientista Michel Le Van Quyen após mergulhar nela e investigar seu poder.

Michel Le Van Quyen é engenheiro, doutor em neurociência e pesquisador do Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica. Ele sofria de paralisia facial relacionada ao estresse e superou-o mergulhando em silêncio por meio de caminhadas na natureza, meditação e deixando sua mente vagar incontrolavelmente. Após ser curado, ele decidiu investigar o assunto, cujas conclusões aparecem no livro Cérebro e Silêncio. As chaves para a criatividade e a serenidade (Plataforma, 2022-2023).

"O silêncio favoreceu minha cura"

-Como foi sua experiência?
-Para me recuperar tive que parar todas as minhas atividades por mais de um mês, o que foi difícil para mim porque sempre fui muito ativa e fiz muitas coisas ao mesmo tempo. Eu tive que enfrentar o silêncio. Me mudei de Paris - onde costumo morar - e fui para uma casa que tenho perto da natureza, e lá foi mais fácil para mim mudar o meu ritmo. Foi a partir dessa experiência pessoal que me perguntei por que o silêncio trazia tantos benefícios para a saúde e especificamente para o cérebro.

-Por que o silêncio ajuda a regenerar o cérebro?
-Existem diferentes tipos de silêncio que beneficiam o cérebro. Um é a ausência de ruído externo, mas os silêncios internos que surgem da imobilidade física e da ausência de ruído mental também são importantes. Quando, por meio da meditação, alcançamos um estado de silêncio no qual os pensamentos diminuem, ocorre um relaxamento que traz muitos benefícios, pois novos neurônios são gerados, a memória é estabelecida e a secreção de hormônios do estresse, como o cortisol, para. Quando começamos voluntariamente a respirar lenta e profundamente, estimulamos o nervo vago e desaceleramos o coração.

-É o barulho externo o que mais machuca nosso cérebro?
-Nas grandes cidades somos todos confrontados com o ruído… A primeira consequência são os problemas de audição, que afectam principalmente as pessoas dos bairros mais pobres e periféricos, localizados perto de autoestradas, vias férreas e aeroportos. E mais do que a intensidade do ruído, o que é prejudicial é a exposição continuada a esses ruídos porque, ao contrário dos olhos, os ouvidos não têm pálpebras, por isso permanecem ativos enquanto dormimos. Assim, estudos científicos têm demonstrado que, quando somos submetidos a ruídos constantes à noite, mesmo que não sejam intensos, o corpo é colocado em estado de estresse e registra níveis anormais de cortisol e outros hormônios do estresse que podem levar desenvolver sérios problemas de saúde nele.

-Esta contaminação é séria?
-De acordo com a Agência Europeia do Ambiente, a poluição sonora é responsável por mais de 10.000 mortes prematuras a cada ano, a maioria delas por ataques cardíacos e outros problemas cardiovasculares.

-No livro diz que o cérebro tem que eliminar as toxinas que gera para se manter saudável…
-Efetivamente. Quando estamos focados em uma tarefa por muito tempo, o cérebro consome muita glicose e fabrica muitos resíduos que o corpo deve eliminar. No entanto, o cérebro carece de um sistema linfático e como ele conseguiu se livrar desses resíduos tem sido um grande enigma para a ciência há anos. Por fim, em 2012, uma equipe de cientistas americanos demonstrou que isso é realizado por meio do sistema glifático e das células gliais que o compõem.

-Como eles agem?
-Essas células gliais -localizadas em torno dos neurônios e que formam uma rede de dutos que circundam a periferia dos vasos sangüíneos cerebrais- facilitam a circulação do líquido cefalorraquidiano, que acaba removendo essas impurezas do cérebro e oferece uma espécie de ducha de que você precisa para se limpar e se renovar.

-E quando isso ocorre?
-O que os estudos científicos mostram é que esta «limpeza purificadora» pode ser efectuada nos momentos de descanso; ou seja, em estados de sono profundo, é quando o líquido cefalorraquidiano pode fluir mais rapidamente e o cérebro tem mais capacidade de evacuar esses resíduos. Enquanto ele está concentrado, ele não pode fazer isso, ele precisa de descanso e silêncio de atenção para ativar este sistema de evacuação …

Se a atenção estiver permanentemente ocupada e diferentes tarefas forem realizadas ao mesmo tempo, o desempenho do cérebro diminui.

-E esse descanso influencia a nossa atividade…
-Sim. O que a neurociência mostra é que se a atenção estiver permanentemente ocupada e diferentes tarefas forem realizadas ao mesmo tempo, acaba diminuindo o desempenho do cérebro. É por isso que a meditação também nos ajuda a ativar esse sistema de eliminação de toxinas no cérebro.

-Quanto menos podemos fazer, mais podemos realizar?
-Assim é. Deixar nossa atenção vagar, permanecer em estados de sonho, mergulhar no silêncio, é vital para a saúde do cérebro. Se alternarmos momentos de atividade com momentos de descanso, teremos mais capacidade de produção. Assim como os atletas precisam respeitar os tempos de descanso para melhorar seu desempenho, o cérebro precisa de fases de descanso para regenerar e integrar as experiências.

- E esse silêncio favorece a criatividade?
-Mesmo em repouso, o cérebro mantém uma grande atividade: grandes ondas de energia viajam lentamente através de uma vasta rede de numerosas regiões cerebrais. Isso é o que o neurologista Marcus Raichle chamou de "energia escura do cérebro". Quando você está em silêncio, você se deixa levar para um estado de sonho, sua mente divaga e, além de ser necessária para promover a criação de novos neurônios, é importante promover a criatividade. Isso foi demonstrado pelo professor Graham Wallas, que tentou entender como os artistas encontraram novas ideias e viu que sempre há uma fase de coleta de informações, na qual não podemos resolver o problema, de incubação, na qual eu digo que Eu desisto e então eu paro e …

- … a faísca salta.
-Sim. Começo a fazer outra coisa, como caminhar na floresta ou algo totalmente diferente, mas o cérebro continua a funcionar e, às vezes, de repente ocorre um insight que lhe traz a solução sem que você queira. E isso geralmente acontece em momentos de sonho. É por isso que é tão importante se deixar estar nesses estados em que a mente vagueia e desistir de encontrar a solução de forma consciente e controlada. Quando seu espírito vagueia sem rumo, é justo quando ele pode encontrar uma solução.

Os banhos na floresta reequilibram os sistemas simpático e parassimpático e permitem que o cérebro se regenere.

-Que tipo de silêncio você diria que traz mais benefícios?
-O mais importante é passar o máximo de tempo possível rodeado pela natureza. Na natureza, o silêncio absoluto não existe, mas os ruídos nele são saudáveis. Os banhos na floresta, tão praticados no Japão, são altamente recomendados porque caminhar meia hora percebendo ao máximo a natureza, seus sons, cheiros, cores, traz enormes benefícios para o corpo, pois reequilibra os sistemas simpático e parassimpático e permite o cérebro regenerado.

-No seu livro você fala sobre o perigo de trabalhar em espaços comuns abertos …
-Sim. Quando recebemos estímulos constantes, nosso cérebro sofre. Há estudos que mostram que nesses espaços a pessoa é interrompida a cada onze minutos, então ela só consegue focar em uma tarefa nesse período de tempo e então alguém chega com uma nova informação ou uma nova tarefa. Para se recuperar dessa interrupção, você precisará de cerca de 25 minutos até que possa recuperar a concentração. E essas interrupções permanentes colocam uma sobrecarga mental muito prejudicial no cérebro.

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