Por que a mesma coisa sempre acontece com você? Reescreva seu roteiro
Jorge Bucay
Você sempre cai na mesma pedra? Você se boicota? Talvez você não seja realmente quem pensa: pule o script estabelecido e dê a si mesmo permissão para mudar.
Um dos grandes mistérios do nosso comportamento diário é aquela tendência absurda que todos temos de repetir situações indesejáveis , de estabelecer vínculos perniciosos com o mesmo tipo de pessoas ou de nos enredar em problemas mesmo sabendo por experiência qual será o seu resultado previsível. Atitude doentia e muitas vezes perigosa que confirma nossa própria neurose e que costumamos definir com o termo autoboicot.
Dê a si mesmo permissão para mudar
"É que eu me boicotei", muitas pessoas costumam dizer diante de repetidos fracassos … "Não me permito fazer bem", argumentam, como se dissessem que agem quase intencionalmente, fazendo com que as coisas dêem errado. “Eu sempre faço algo para sabotar meus sucessos”, concluem triunfantes. Deixe-me dizer que não acredito nesses argumentos. Duvido que tantas pessoas queiram arruinar suas vidas … Na minha opinião, quase nunca é esse o caso.
Os benefícios do auto-boicote
O que acontece é que a ideia do autoboicot mantém intacta a autoimagem e a ideia da força do nosso desejo sobre a realidade. “Não é que eu não aguente, mas no fundo (no fundo) eu não quero”, dizem, tentando se convencer de que, apesar de tudo, o universo continua respondendo ao seu poder.
Por que é sempre igual?
Albert Einstein disse que só conhecia duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana, e que esta se tornava aparente a cada vez, depois de fazer a mesma coisa de sempre, o homem esperava um resultado diferente. Diante dessa frase, à pergunta "Por que sempre acontece a mesma coisa comigo?" deveríamos responder: "Simplesmente porque me comportei da mesma maneira … mais uma vez."
Tendo descartado a ideia de que as pessoas escolhem deliberadamente coisas que nos prejudicam e que também não nos consolamos culpando alguém, é conveniente admitir que, por algum motivo, (erro de raciocínio, mandato aprendido ou hábito tóxico) pensamos que o caminho que devemos fazer para mudar o curso parece ainda pior. Ou seja, sabemos que teríamos que mudar algo para agir de uma forma verdadeiramente diferente e esperar um resultado melhor, mas não podemos nem pensar nessa outra opção …
As armadilhas da identidade
Qual é a razão? De algum lugar escondido em nosso intelecto frio ressoa um alerta que nos avisa, com luzes vermelhas, amarelas e azuis, que essa outra forma de agir vai contra a nossa ideia de nós mesmos. Embora possa ser mais eficaz e estimulante, é o oposto do que eu e os outros pensamos que sou, oposto a "o que sempre fui" (como se essa fosse uma boa razão para descartar uma atitude diferente).
Para sair deste círculo vicioso da nossa "identidade", devemos aceitar que talvez não sejamos quem pensávamos ser ou, pelo menos, que não somos apenas isso. Teremos que deixar para trás algumas das “qualidades” que mais apreciamos em nós mesmos e questionar aquelas características das quais muitas vezes nos gabamos sem razão ou mérito.
Educação: ligada à direita
Nossa educação nos faz saber desde cedo o que podemos fazer e pensar e o que não podemos; nos propõe e condiciona um roteiro e uma certa forma de interpretar o mundo; Ajuda-nos a montar um programa "correto e aceitável" para a nossa vida, que inclui a presença de algumas virtudes e defeitos que devem ser desenvolvidos mesmo que não nos pertençam de forma alguma .
Nós os desenvolvemos desde os primeiros anos de nossa infância para enfrentar essa necessidade permanente de ser amado, olhado e aceito pelos outros. Devido ao nosso desamparo diante dos adultos, aprendemos, mais por imitação do que por comando direto, que devemos temer a rejeição dos outros. E, em um nível muito menos consciente, também pode ter consequências imprevisíveis, como o abandono imaginário dos pais ou o afastamento definitivo de seu afeto.
É assim que construímos a nossa identidade, aquela parte de nós que chamamos “eu”, um espaço com poucas surpresas e poucas mudanças, uma “zona de conforto” às vezes não muito confortável, um espaço interior ao qual nos acomodamos, embora nem sempre fique muito confortável.
Saia da sua zona de conforto
Felizmente, esse condicionamento não é necessariamente eterno, podemos crescer, ir mais longe, expandir fronteiras. Se nos tornarmos "buscadores de", perceberemos que a vida, aquilo que vale a pena ser vivido, é necessariamente um risco, e que trancado na prisão aparentemente seguro de "o que sempre foi, é e será assim", ou presos na postura rígida de "Eu sou assim", mais cedo ou mais tarde acabaremos prisioneiros de nossa identidade, limitados por nossa própria dimensão do mundo interno e externo. Acabaremos nos desligando aos poucos e nos distanciando dos que estão ao nosso redor, pois, imersos nos preconceitos de nossa zona de conforto, vivenciaremos cada nova situação como uma ameaça e cada uma das outras como um inimigo.
O conto do alpinista
Costumo contar a história daquele montanhista que tentava chegar ao topo do Aconcágua. Em sua terceira tentativa, uma terrível tempestade o surpreendeu no meio da subida.
A noite caiu de repente e uma nevasca apareceu em poucos minutos para complicar o desafio. Subindo uma falésia, a apenas 100 metros do topo, o montanhista escorregou e começou a cair em direção ao solo em alta velocidade, com a terrível sensação de ser sugado pela gravidade.
Os momentos mais importantes de sua vida passaram diante de seus olhos e ele percebeu que havia poucas chances de se salvar.
De repente, sentiu um puxão muito forte que quase o partiu em dois … Uma das cordas de segurança, que ele próprio havia pregado mais alto, impediu sua queda. Ele se agarrou a ela com todas as suas forças, embora ainda não estivesse seguro. Pendurado naquela corda no meio da montanha era bem possível que a expedição de resgate que o procurava nunca o encontrasse ou chegasse tarde demais.
Naqueles momentos tensos, tremendo de frio, cego pela neve e com o corpo machucado, uma voz interior sussurrou para ele.
-Este sofrimento inútil não é necessário … Corte a corda!
O montanhista estava apavorado com o que se passava em sua mente.
Ele sempre foi alguém que não desistia. Ele sempre resistiu mais do que qualquer um.
Ele sempre foi fiel ao seu espírito de luta.
-Nunca! ele gritou para se animar.
O diálogo consigo mesmo continuou assim por muitas horas, até que, exausto, o montanhista desmaiou.
Dizem que a equipe de resgate o encontrou pendurado em uma corda, bem em frente ao abrigo, a meio metro do solo. Se ele tivesse ouvido sua voz interior, largar a corda o teria poupado da agonia.
Reescreva seu roteiro
A grande chave para uma boa qualidade de vida é nos concedermos o direito de questionar diretrizes e nos permitirmos explorar com curiosidade e interesse tudo o que o corpo, a alma e o espírito exigem de nós.
Aprendamos a reescrever com consciência e responsabilidade o roteiro que foi determinado pelos mandatos de nossa educação: reconheçamos que estamos presos a um mundo que já não existe e a um nós que não somos mais. Ousemos substituir esse projeto que nossos pais e professores plantaram em nós por um que seja verdadeiramente nosso, absolutamente alinhado com os gostos e desejos do nosso ser, aqui e agora.
E não nos desesperemos, pois, se o conseguirmos, ficará um novo desafio: contribuir como pais, como professores, como chefes, como líderes ou como simples habitantes do mundo, para que cada pessoa, criança, adulto ou idoso, conscientemente, esta permissão.