"Fui maltratado pelo meu professor"

Ramon Soler

Freqüentemente, as pessoas vêm às consultas de psicólogos com sérias consequências para sua saúde emocional (e física) derivadas de experiências de abuso de poder a que foram submetidas na escola por um ou mais de seus professores. Este é o verdadeiro testemunho de como Pilar.

No dia em que completou 60 anos, Pilar decidiu procurar terapia psicológica para ajudá-la a superar os problemas emocionais e a baixa autoestima que vinha arrastando há anos. Pilar não queria passar mais um dia deixando que os outros se aproveitassem dela. Todos os seus parceiros já haviam sido abusadores (físicos e emocionais) e no trabalho viu progredir muito mais jovens colegas, embora não ousasse lutar pelo que considerava sua promoção merecida.

Já na terapia, trabalhando para encontrar e curar a origem de sua baixa autoestima, Pilar lembrou, em uma de suas sessões, uma situação chocante e enormemente traumática que viveu na escola.

-Me diga, Pilar, do que você lembra?
-Não é uma cena única, são situações diferentes que vivi com uma professora. Ainda me lembro com medo hoje. Eu imagino seu rosto olhando para mim e meu coração dispara. Parece incrível, depois de tantos anos, como isso me afeta, como me coloco numa situação, quase como se a estivesse vivendo.

-Não se preocupe, Pilar, justamente, estamos aqui para trabalhar nisso e evitar que as palavras e ações deste homem continuem a prejudicá-la no seu presente. Diga-me qual cena você se lembra mais claramente.
-É uma hora em que ele está me ridicularizando na frente de toda a classe. Ele me leva ao quadro para fazer um exercício de fração. Eu não sei como consertar isso. Eu faço uma parte, mas fico preso no meio do problema.

-Como o professor reage?
-Ele tira sarro de mim. Ele sempre fazia piadas bobas, mas aquele dia é especialmente cruel. Ele começa a me insultar, diz que sou preguiçoso e idiota. Além disso, ele fala para toda a classe e vejo que alguns colegas estão rindo.

- O que acontece, então, com você? Como se sente?
-Eu percebo que meu corpo todo está paralisado e nem vejo bem, começo a ver embaçado. Eu me pergunto por que ele faz isso. Por que ele é tão cruel comigo? Eu me sinto bloqueado. Onde sinto que o bloqueio é mais forte é na minha garganta. Parece que está se aproximando de mim. Eu gostaria de protestar, mas fico quieto, não posso falar nada. (No sofá, seu corpo fica tenso, seus braços e pescoço estão rígidos).

-E a professora ainda está zombando?
Mas para. Ele está com o olhar fixo em mim. Parece que ele está gostando do que faz. No final, acabo chorando de desespero. Eu volto para a minha casa e fico quieta, olhando para a mesa até o fim da aula.

- Continue me dizendo … (há um momento de silêncio e uma lágrima cai pelo seu rosto).
-Sentando naquela mesa, olhando para baixo, sinto vergonha, sozinha e cinzenta. Grey, é assim que tenho sido toda a minha vida, cinza.
(Chora ao perceber o impacto que a professora teve em sua vida).

-O que resta desta situação, Pilar? Existem momentos em sua vida que continuam a lembrá-lo dessa cena?
-Sim, muitos, isso acontece comigo continuamente. Há momentos em que me sinto bloqueado, especialmente com pessoas tão agressivas. Quando eles me olham, sou incapaz de responder e olhar para baixo. Quase todos os meus namorados são assim. Acho que é por isso que nunca me casei. Eu não queria alguém assim na minha vida, mas todos que conheci eram iguais ou piores.

-E no trabalho como enfermeira?
-Também no trabalho, com o meu chefe. Ele tem a mesma aparência. Parece que ele vai me repreender a qualquer momento por algum erro que cometi. Não consigo falar com ele para pedir o cargo que me corresponde devido à antiguidade e vejo outros colegas mais jovens passarem na minha frente. Mas ele me intimida e me bloqueia só de pensar em ter que falar com ele.

-Não se preocupe Pilar, aos poucos vamos trabalhar para desprogramar o seu bloqueio contra esse tipo de gente. Vamos voltar ao passado para continuar analisando aquele momento. Olhando para ela com seus olhos atuais, o que você acha da cena da garota?
-Bem, foi injusto e desproporcional. É verdade que eu não sabia somar frações, mas não explicava nada bem em aula, ninguém sabia. Outros amigos iam a aulas de reforço de matemática à tarde, mas meus pais não podiam pagar. Se ele quisesse que adicionássemos frações, ele as teria explicado bem. Como vou saber se estou com medo na aula, mais consciente de estar com medo e pensando de surpresa do que de suas frações sangrentas? Não sei se ele teve mania ou se aproveitou de mim porque sabia que não iria me defender, mas foi um pesadelo.

-Entendo, Pilar. Agora pegue toda essa energia e essa lucidez que você tem neste momento ao ver esta situação e leve-a de volta no tempo. Imagine que você volta ao cenário escolar para se aproximar da garota e, assim, poder explicar para ela. O que disse?
-Eu vou até ela na mesa, quando ela olha para baixo. Digo a ela que esse cara não tinha o direito de tratá-la mal. Fico triste em vê-la assim e também fico com raiva de ver como tudo isso a machuca e de saber como isso a afetará para o resto da vida.

-Compartilhe com ela. Isso também é o que ela está sentindo. Fale sobre isso para que se sintam ouvidos e compreendidos.
-Ela está muito brava. Você sabe que o professor é injusto e que não fazia bem, mas ela teve que calar a boca. Ele teve que engolir toda a sua raiva. Você agora tem o direito de reconhecer essa raiva. Que ele sinta e transforme em energia para agir, não para ficar parado e poder se expressar. Acompanhe-a. Agora ela não está sozinha e, entre vocês duas, tira tudo o que carrega dentro de si, o que no dia dela ela guardava.

-O que disse?
Eu olho para o rosto dele e aponto o dedo para ele. Digo a ela que ele é estúpido e arrogante, que ela é apenas uma menina e que ele não tem o direito de tratá-la assim. Eu pergunto se ele pensa que é um homem mesmo fazendo uma menina sofrer assim, digo que ele deveria ter vergonha. No fundo, ele é um mindundi, uma pessoa insegura que precisa se sentir acima dos outros.

-E o que o professor faz? Como você reage?
-Na primeira ele fica calado e com a boca aberta. Parece que quando alguém lhe diz a verdade, você não sabe o que dizer. Depois de um tempo, ele começou a balbuciar que estava fazendo isso para o meu bem, que só queria me motivar a estudar. Digo a ele que humilhar não é uma forma de motivar, que ele não pode usar isso como desculpa para justificar o abuso.

-Como você se sente agora? Você quer dizer ou fazer outra coisa?
-Sinto calor por todo o corpo, mas um calor agradável, como quando acaba de fazer exercício. Ele precisava abrir mão de tudo isso e consertar as coisas. Agora eu quero sair daí. Digo a ele que se ele vai continuar me tratando assim, não quero continuar aí. Eu o deixo com os olhos arregalados. Eu saio da classe e fecho a porta.

-Você não precisa mais aturar isso, o que pode ter consequências graves no futuro. Pilar, você ajudou a menina a se livrar de todo o peso que ela tinha. Agora ela pode te ajudar, no seu presente. Onde você quer ir agora?
-Eu vou para o jardim. Eu respiro o ar puro. Eu não tinha percebido antes, mas o ar na escola estava muito abafado, como fumaça, e era difícil respirar. Eu me deito na grama e olho para o céu. Sinto-me mais livre, até respiro bem melhor e sinto que o bloqueio que me acompanhava se foi.

-O que você pode aprender com o que aconteceu na aula? Que ideia você quer trazer para sua vida atual?
-O mais importante é que eu posso falar agora, posso dar minha opinião. Chega de ficar quieto. Eu sei o que quero e o que é bom para mim. Na verdade, eu sempre soube disso, mas antes guardava pra dentro. De agora em diante, não vou permitir que mais ninguém me humilhe como aquele professor fez.

-Como você acha que poderia resumir tudo o que você fez hoje em uma palavra ou frase para lembrar todos os dias?
-Já me ocorreu sem pensar … "Agora eu falo." Gosto, acho que é um ótimo resumo. Vou anotar e, acima de tudo, vou começar a colocar em prática a partir deste momento. Me sinto muito melhor. De verdade.
Na mesma semana, Pilar solicitou uma entrevista com seu chefe para pedir uma melhoria em suas condições de trabalho. Ele não queria mais permitir que outros tirassem seus direitos.

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