"Precisamos ser amados e amar os outros"

Aida Garcia

De nossos pais, herdamos não apenas características físicas, mas também emocionais. O psiquiatra Ramon Riera fala-nos dessa herança emocional, daqueles antigos valores patriarcais transmitidos que dirigem a nossa vida sem nos darmos conta.

Marek Jarosz

Quando o objetivo principal do dia a dia é sobreviver, o sentimento não tem lugar. E assim, desconectados de nossas emoções, nós, humanos, vivemos ao longo de nossa história. Com a sua obra, A herança emocional: uma viagem pelas emoções e o seu poder de transformar o mundo (planeta), Ramon Riera proporciona-nos uma viagem interessante pela evolução dos sentimentos e mostra-nos a importância de aceitar a própria vulnerabilidade, uma vez que o sucesso de nossa espécie "se baseia na conexão com as emoções, as nossas e as dos outros".

-Lei as últimas páginas do seu livro e a dúvida me invade: o que sentimos é real ou é apenas o resultado do que aprendemos com o meio ambiente?
- Achamos tão difícil aceitar como os outros nos influenciam, que tendemos a negar pensando que somos autossuficientes. Mas não podemos mudar o que negamos. O objetivo do livro é ajudar o leitor a se tornar mais consciente da herança invisível que recebemos de nossos pais e da cultura de nosso ambiente.

-Você fala muito sobre valores, como você os definiria?
-Nossas reações emocionais espontâneas são a expressão mais sincera dos nossos valores. Podemos dizer que não somos racistas; Por outro lado, quando interagimos com uma pessoa de outra raça, podemos reagir com medo ou com raiva. Isso é o que conta, não o que dizemos. Amar os pais sem questionar se o mereceram é outro valor herdado. Todos nós somos, em parte, o que eles precisam que sejamos. A herança emocional é a dos valores que realmente determinam nosso comportamento. Mas hoje já existem pais que respeitam que seus filhos se sintam diferentes do que esperam.

-Como você ressaltou, os valores que prevalecem entre os jovens de hoje são diferentes …
-As circunstâncias estão mudando e os valores também. Por exemplo, antes as pessoas não eram consumidores porque não podiam. Os valores materialistas, o consumismo e o desejo de ganhar dinheiro para comprar bens materiais baseavam-se na negação: a negação da dor emocional, que se tenta esconder com o bem-estar econômico. No entanto, os cientistas sociais observam que nunca antes os adultos levaram em consideração as emoções das crianças.

O facto de hoje sermos muito críticos com os pais que estão mais atentos a ganhar dinheiro para consumir do que aos filhos é precisamente um sinal de que novos valores estão a emergir.

- Não é curioso que os cientistas digam que estamos avançando e, em vez disso, se reconheça que os valores tradicionais estão ganhando força?
- Sempre que houver grandes mudanças, é necessário fazer ajustes nos valores. Com a revolução industrial, novos valores tiveram que ser introduzidos para proteger a exploração dos trabalhadores. O desafio que temos é encontrar novos valores em vez de nos voltar para os antigos.

-Você sugere que bloqueemos nossos sentimentos porque o sentimento nos deixa infelizes …
-Sentir que precisamos do amor dos outros, que somos muito vulneráveis ​​ao desgosto … nos assusta e nos ilude com a aparente autossuficiência que o consumismo nos dá. Chegamos até a acreditar que a depressão pode ser curada com um comprimido que você compra.

-Neste tempo do Instagram, Tinder … Você realmente acha que essa sociedade está mais ligada às suas emoções?
-É o aumento da conexão entre as pessoas que permitiu que as vítimas de abuso sexual se conectassem para tornar o abuso público. Ao longo da história, o abuso de crianças e mulheres passou despercebido.

-É difícil acreditar que exista a sociedade empática de que você está falando, pois não é tão fácil encontrar gente que saiba ouvir …
-Empatia é uma palavra moderna que há algumas décadas ninguém usava. Que os pais tivessem empatia com os filhos, patrões com os funcionários … era algo que não era levado em consideração há alguns anos, então essa palavra nem existia.

- Onde você acha que esta sociedade está evoluindo?
-Como a sobrevivência está menos ameaçada, podemos lidar melhor com nossa vulnerabilidade emocional. Um exemplo disso é o homem que tem vergonha porque não sabe chorar. Por outro lado, quando eu era criança, dizia-se que chorar era para meninas.

-Você diz no seu trabalho que é a vulnerabilidade que nos permite ser mais empáticos, por quê?
-Há um mal-entendido que conectar-se com nossas próprias emoções nos torna egocêntricos e egoístas. Mas somente se estivermos conectados com o que sentimos, podemos perceber como precisamos ser amados e amar os outros.

No livro O patrimônio emocional: uma jornada pelas emoções e seu poder de transformar o mundo, conto histórias de crianças criadas em situações adversas que precisavam não perceber o que sentiam e, como adultos, não estavam preparadas para relacionamentos emocionais.

- Da mesma forma, que papel os medos desempenham?
-A ameaça e o medo favorecem a vida na defensiva. As crianças que estão com medo não podem explorar o mundo livremente.

-E a morte?
No livro, trato da influência da mortalidade infantil. Como os pais agiram durante séculos para suportar a morte de seus filhos? Ao longo da maior parte de nossa história, 1 em cada 3 crianças morreu antes de completar 5 anos. As famílias tiveram em média 6 filhos e apenas 2 chegaram aos adultos. O distanciamento emocional foi a única maneira de suportar essa tragédia.

- Defendemos os conceitos de independência e liberdade, mas você diz que esses valores nos tornam mais dependentes dos outros, não é contraditório?
-Os valores baseados na liberdade estão avançando em todo o mundo. Em vez disso, as condições de vida de hoje mudaram: antes da revolução agrícola, os humanos viviam em pequenos grupos onde todos se conheciam. Agora, nas grandes cidades, vivemos cercados de estranhos e isso complica muito as relações sociais. Não devemos confundir as condições de vida externa com valores, devemos usar os novos valores para enfrentar as novas condições de vida.

-Ele diz que "a herança emocional que recebemos dos pais é o que determina o que podemos olhar e o que não podemos." Que conselho você daria aos pais que estão criando os adultos do futuro?
-Aconselho-os, acima de tudo, a prestarem atenção e respeitarem muito o que os mais pequenos sentem. Assim, seus filhos aprenderão a prestar atenção ao que sentem e a desenvolver a inteligência emocional.

Para saber mais…

  • Ramón Riera é o autor do livro A herança emocional: uma viagem pelas emoções e seu poder de transformar o mundo (Planeta). Você pode comprar aqui.

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