Não tema a passagem do tempo, sinta o presente

Dr. Daniel Bonet

Tememos a passagem do tempo, embora seja necessário para que a vida flua. Estar ciente do presente e buscar a paz interior ajuda a ter um refúgio no meio da realidade externa em mudança.

A vida é uma viagem no tempo e no espaço. Com seus bons e maus momentos que sempre podemos aprender. Essa jornada geralmente envolve ficar na terra por "quatro estações": primavera-infância, verão-juventude, outono-maturidade, inverno-velhice. Assim, temos a oportunidade de experimentar o mundo de diferentes perspectivas.

Nosso corpo é o veículo que usamos nessa jornada e, embora tenha a capacidade de regenerar suas células e se reparar, a passagem do tempo o desgasta e, no final, devemos abandoná-lo.

O tempo passa ou nós passamos?

O tempo é algo real ou puramente subjetivo? Essas perguntas suscitaram diversas respostas de filósofos e cientistas. A física o interpretou de diferentes maneiras: tempo absoluto newtoniano, tempo relativo einsteiniano, tempo quântico e seus paradoxos.

O filósofo Kant dizia que o tempo e o espaço são "formas a priori de sensibilidade", isto é, algo anterior às experiências próprias, sem as quais elas não poderiam existir. Na verdade, sabemos pouco sobre os dois princípios: o tempo e o espaço são intangíveis, não podem ser percebidos como objetos, embora possamos calcular um volume ou medir a duração de um movimento.

Em nossa experiência comum, o espaço é o recipiente invisível onde as coisas e nós mesmos estamos, enquanto o tempo atua como uma energia misteriosa que sempre nos impulsiona para frente.

Mas sua verdadeira natureza nos escapa. Assim como o espaço geométrico é feito de "pontos" que não ocupam lugar, o tempo é uma sucessão de "instantes" que em si não têm duração, mas que a mente se reúne criando uma sensação de continuidade.

Tempo qualitativo

Temos a tendência de acreditar que o tempo e o espaço são inertes e mecânicos. É verdade que o tempo cronológico marcado pelo relógio - reflexo dos movimentos astronômicos - é constante e pode ser calculado com precisão. Mas este aspecto quantitativo deve ser completado com uma visão qualitativa da temporalidade.

Tanto o espaço quanto o tempo diferem de acordo com seu "conteúdo". Não é a mesma coisa que ficar em um jardim ensolarado do que em um porão com sombra, nas montanhas do que no mar. Mesmo a orientação de edifícios ou quartos implica qualidades diferentes, positivas ou negativas, de acordo com as antigas ciências do feng-shui, da China, e vastu, da Índia.

Nem a qualidade do tempo é a mesma em nosso tempo como, por exemplo, na Roma clássica. Nem sentimos que passa na mesma velocidade se estamos tristes como se estivéssemos felizes.

Quando visitamos uma cidade e passamos da agitação das ruas com o trânsito à zona pedonal da zona antiga, a experiência do tempo muda significativamente. Há uma maior sensação de paz e o tempo desacelera, embora os relógios estejam batendo ao mesmo tempo.

É igualmente verdade que não vivemos da mesma maneira a passagem do tempo em todos os momentos da vida: parece mais lento na infância, cheio de possibilidades, do que na velhice, quando o passado prevalece sobre o futuro; assim como temos a sensação de que o nascer do sol é mais lento do que o pôr do sol.

Da mesma forma, a experiência do tempo é diferente de acordo com os sexos. O masculino (solar) tende a se projetar no futuro e calcula em anos, enquanto o feminino (lunar) conta os dias, atende mais ao presente cotidiano e transmite as tradições familiares do passado.

Também cada raça ou cultura tem sua maneira de viver o tempo, e no meio rural os ritmos lentos da natureza são acompanhados mais de perto do que na cidade.

Viver o presente

Realmente existe apenas o presente, de onde podemos lembrar o passado e imaginar o futuro. Além disso, como disse Gaston Bachelard: "O tempo tem apenas uma realidade, o momento."

Conseqüentemente, fala-se em viver no presente, em aproveitar as coisas boas que acabam de ser apresentadas a nós. Mas não é tão fácil curtir o "aqui e agora". Temos três maneiras possíveis de fazer isso, poderíamos dizer três graus de aprofundamento.

  • "Viva no presente" no sentido de não fazer planos ou se preocupar com o amanhã. Trata-se de se adaptar, sem dramas, às vicissitudes do dia a dia.
  • “Viver no presente” talvez de uma forma mais madura, rendendo-nos às evidências que só temos agora, mas sem deixar de planear ou esquecer quem nos precedeu e quem nos seguirá.
  • "Viver desde o presente" implica entrar em uma dimensão mais espiritual do tempo, uma abordagem do centro imóvel a partir do qual a realidade externa em mudança se desenvolve.

Conecte-se com o seu eu essencial

Poderíamos dizer que a experiência do tempo varia conforme estejamos mais próximos ou mais distantes do nosso ser essencial. Tudo está indo muito rápido em nossa sociedade: a mídia, os transportes, a economia. No entanto, a velocidade que nossa tecnologia atual acarreta não só falha em superar a barreira do tempo, mas também nos torna mais vulneráveis ​​aos aspectos negativos da temporalidade.

São características típicas de nossa cultura globalizada: a escravidão do relógio, a agitação, o atendimento apenas ao imediato, o gosto pela novidade, a mudança pela mudança.

Os marinheiros respeitam o mar em que navegam e até têm certo temor de suas águas profundas. Respeito semelhante foi sentido por vários povos da humanidade em relação ao tempo.

Eles sabiam que sua energia é necessária para construir o mundo em que vivemos, mas não desconheciam que ela também implica uma possível atividade destrutiva da qual é conveniente proteger-se o máximo possível. É conhecida a imagem mitológica, pintada por Goya, de Saturno - deus do tempo - devorando seus filhos.

A “queda no tempo”, bastante frequente na sociedade atual, supõe, por exemplo, confundir o velho com o velho, esquecendo que existem valores perenes. O culto à juventude e a falta de respeito pelos idosos derivam de tal atitude.

Toque a eternidade

Existe uma relatividade do tempo, embora as horas e os dias sempre pareçam iguais para nós. Platão afirmou que "o tempo é uma imagem em movimento da eternidade." Seu movimento cíclico, que pode ser visto até mesmo na forma esférica dos relógios, sugere isso. Todo final é, portanto, um novo começo.

Será que o tempo faz parte da eternidade, assim como as ondas mutáveis ​​se movem no seio do grande oceano? É por isso que existem experiências na vida que de alguma forma estão fora do tempo. Uma sala silenciosa em que uma mãe amamenta silenciosamente seu filho ou canta uma canção de ninar para fazê-lo adormecer torna-se um tempo e um espaço sagrados. A imagem de um mistério humilde e profundo: o da nossa humanidade.

Raimon Panikkar criou um neologismo, "tempeiternidade", para nomear aqueles momentos em que um lampejo do espírito de repente ilumina nossas vidas diárias. Porque, seguindo seu raciocínio, “a eternidade não vem depois do tempo, nem existia antes”.

Cultive momentos sagrados

Assim como existem espaços sagrados (templos, santuários naturais) onde a presença do espírito se torna mais evidente, com o passar do tempo existem momentos em que certas influências espirituais se manifestam com maior intensidade. Pode ser em situações astronômicas especiais (solstícios, equinócios, fases lunares, posições planetárias) conhecidas pela astrologia de civilizações antigas e que sobrevivem em festivais de nosso calendário.

O domingo, "Dia do Senhor", convida ao descanso, pois simboliza o centro imóvel. Aqueles que se dedicam à meditação, à oração, à peregrinação também podem ser momentos sagrados E é possível sentir a presença do inefável em momentos da vida cotidiana que parecem estar fora do tempo comum.

Quietude interior

Em alguns relógios de sol pode-se ler uma inscrição referente às horas que diz: "todos doem, o último mata". Mas o tempo não só implica sofrimento, mas também permite todas as coisas belas que podemos contemplar e construir, a possibilidade do amor, da família e dos amigos, da ajuda entre os seres humanos …

É inevitável que os aspectos positivos e negativos do tempo sejam freqüentemente difíceis de conciliar. Tudo depende do ponto de vista em que nos colocamos:

  • O corpo físico é condicionado pelo espaço e pelo tempo (ocupa um lugar e tem uma duração pré-estabelecida);
  • A alma não é limitada pelo espaço (com a imaginação, ou nos sonhos, podemos nos deslocar a lugares remotos em um instante), mas é limitada pelo tempo (pensamento e emoções envolvem um processo psicológico que implica duração);
  • O espírito transcende o tempo e o espaço, colocando-se em um eterno presente.

Amor e humor, duas atitudes que nos libertam do tempo

Certas atitudes e sentimentos podem ajudá-lo a viver mais no presente e a aceitar a passagem do tempo com gratidão.

Existe uma secreta etimologia latina da palavra amor: amors, "não morte" Diante das mudanças físicas e dos sofrimentos psicológicos que a passagem do tempo pode causar, o amor é um bálsamo e até uma espécie de antídoto.

Quando amamos, a experiência do que vivemos adquire um significado especial. Como se a entropia física tivesse sido derrotada de alguma forma e uma energia sutil e luminosa mantivesse esses momentos indelevelmente. Por isso, é bom sentir amor, na medida em que é, não só por aqueles que temos afeição natural (família e amigos), mas também por pessoas que não conhecemos (especialmente crianças e idosos), animais, plantas ou mesmo lugares e objetos.

Não se trata de um amor apaixonado, claro, mas de uma mistura de apreço, respeito, cumplicidade e carinho. Primeiro você tem que se exercitar, porque o ego não está interessado nisso, mas então pode se tornar uma atitude espontânea que torna a vida curiosamente mais agradável. Não é tempo perdido aquele em que você ama.

O senso de humor

Além disso, o senso de humor nos liberta, por assim dizer, das amarras do tempo. Com alegria e um pouco de ironia saudável, as tristezas são aliviadas e os problemas parecem menos graves. Rir às vezes das situações absurdas que muitas vezes acontecem - como fazem as piadas ou filmes engraçados - é uma forma de se distanciar do mundo exterior e do medo do inesperado, até da morte.

Rir, também de si mesmo, faz bem à saúde e alivia o peso do excesso de seriedade, do "trágico sentido da vida" que muitas vezes cultivamos.

Reconhecer que a passagem do tempo é real e ao mesmo tempo ilusória pode acrescentar um pouco de calma à angústia existencial que todos sofremos na medida em que ela é. Não é fácil aceitar sem preocupação as perdas materiais que a passagem do tempo pode causar.

Mas o contentamento e a calma interior nos devolvem a uma posição de equilíbrio em que o sofrimento é diminuído e podemos viver em paz conosco mesmos e com as mudanças que a vida traz. Não podemos modificar o tempo externo, mas podemos modificar o tempo interno ou psicológico.

Um antigo poema chinês expressa esse paradoxo lindamente. As meninas de outra época estão sentadas em um bosque e dizem: “Acreditamos que somos velhas, que nossos cabelos são brancos e que nossos olhos não têm o brilho da lua nova. Mas não é assim. O único culpado é o nosso espelho, embaçado do inverno. É ele quem põe neve em nossos cabelos e deforma nossas feições. O inverno só reina em nosso espelho. "

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