Por que os "policiais da varanda" surgiram? Uma explicação psicológica
María José Muñoz (psicoterapeuta)
Observam da sacada quem já levou o cachorro três vezes, questionam quem atrasou dez minutos no horário ou repreendem os atletas que saem em grupos. Como é o perfil psicológico da figura do policial da varanda que surgiu durante o confinamento?
Ao longo desta quarentena surgem espontaneamente cidadãos que, das suas varandas ou das redes sociais, sentem o direito (ou mesmo a obrigação) de apontar o dedo a quem não cumpre rigorosamente as orientações estabelecidas em função do estado de alarme. O que os leva a agir como policiais? Por que eles se sentem no direito de fazer isso?
Em qualquer sistema sociopolítico, ideológico, religioso ou de saúde que se pretenda Universal, ou seja, deve servir a Todos, há sempre aqueles que, sem ser função ou profissão, se tornam os guardiães fiéis e permanentes dessa ordem. estabelecido, tornando-se até mesmo informante daqueles que transgridem suas regras. A psicologia pode nos ajudar a entender por que eles agem dessa forma.
O perfil do cidadão “vigilante”
Duas características costumam ser reveladas nesses personagens que zelam por seus vizinhos.
- Pessoas com certa paranóia desencadeadas. Geralmente com os pares e não com os poderosos, pelo que colocam o próximo como a causa de qualquer problema que ocorra naquela sociedade e que, portanto, os prejudique.
- Pessoas que não suportam que o outro viva melhor. É o outro lado, o de não apoiar que as outras pessoas gostem mais do que nós, que possam ser mais livres ou mais felizes.
Combinados as duas características e colocados na situação atual de confinamento e irrestrito forçado e prescrito, o resultado é uma multiplicação de vigilantes de indivíduos que não cumprem rigorosamente todas as ordens emitidas pelas autoridades.
Pode-se objetar que os fofoqueiros que agem como delatores neste momento estão fazendo isso pela saúde, pelo "bem de todos". Mas os motivos são geralmente mais profundos e podem ter uma origem emocional, geralmente ligada a medos:
- Eles preferem presumir que a culpa é das pessoas se sentirem mais seguras
Caberia aos governos, que são os que detêm as competências em todas as áreas, que deveriam ser solicitados esclarecimentos, funções e responsabilidades coerentes, porque não são as pessoas que têm os dados concretos sobre o que se passa.
Mas, mirar no topo significaria também aceitar que, diante desse vírus com o qual lutamos, os governantes têm apenas um conhecimento parcial.
É difícil supor que quem toma as decisões não pode não ter todas as certezas, pode cometer erros, ou mesmo mover-se por outros interesses.
Ou seja, eles são feitos de pessoas falíveis. Preferimos pensar que, como pais, eles sabem tudo e assim se tornam seus maiores representantes e defensores de uma verdade absoluta inexistente.
- É um sistema de autodefesa para não ver a situação real
Se descobrirmos que reduzimos toda a situação a culpar o vizinho por ele ter tirado o cachorro três vezes, por ter se atrasado dez minutos em seu horário ou por todos os atletas terem saído ao mesmo tempo, estamos apenas usando um sistema de defesa para não ver a situação real.
E o fato é que até agora ninguém sabe se o melhor é o confinamento total -e nesse caso ninguém teria que ir trabalhar-, ou se, por exemplo, é preciso entrar em contato com o vírus, para que um certo imunização da população. Existem diferentes maneiras de enfrentar a mesma realidade.
- Eles podem invejar ou encontrar alegria na punição
Às vezes, aqueles que atuam como pan-óptico da vida dos outros, ou é porque há uma certa inveja que conseguem ir além de onde vão; ou então porque, embora pareça paradoxal, eles encontraram mais prazer neste "monitoramento e punição" do que em outras formas de existência.
As justificativas podem ser variadas, mas a verdade é que eles estão muito mais atentos a tudo o que acontece ao seu redor do que para ver como podem se divertir. Daí se segue que eles não encontraram nada que os satisfaça. Ou que o prazer é maior do que qualquer outro.
- Uma forma de canalizar a raiva
A situação se pareceria com aquela foto em que a criança boicota o momento em que o irmãozinho está chupando e é inundado de raiva. Não porque ele precise mais desse tipo de comida, mas porque ele não consegue suportar que haja um semelhante desfrutando do que antes desfrutava e que seja a mãe quem o está oferecendo a ele. O perigo, especialmente para os outros, é que essa amargura se torne um estilo de vida.
O "pomo" social, uma figura que não é nova
A figura do policial social ou do "delator" surgiu em diferentes momentos de nossa história. Lembremos o papel cruel desempenhado no nazismo pela denúncia de judeus, homossexuais ou indivíduos que não entraram naquele regime genocida.
Mas também, sem chegar a esse extremo, na “ guerra fria” que ocorreu entre o capitalismo e o comunismo, houve exemplos desse controle e fiscalização por parte dos cidadãos de qualquer movimento ou opinião daqueles que não concordavam com os slogans de seus representantes. .
Na década de 1950, o macarthismo prevaleceu nos Estados Unidos com suas conhecidas "caça às bruxas" e "listas negras", elaboradas entre o governo McCarthy e concidadãos que, em nome da lealdade ao país, espiavam as leituras, viagens ou tipos de empresa para verificar se eles eram subversivos.
Nada menos aconteceu naqueles anos na parte comunista, na URSS ou na China. Regimes totalitários nos quais, mais uma vez, qualquer habitante poderia ser denunciado, por um funcionário ou civil, como traidor do partido, espião do imperialismo ou sabotador burguês.
E muito mais próximo no nosso país foi o E pouco Franco. Alguns professores, padres e sentinelas de sacada e cortina se dedicaram a julgar, criticar e incitar punições aos que não cumpriam a moral católica nacional, que prescrevia como deveria ser o comportamento de cada indivíduo em todos os âmbitos e circunstâncias.