E se você viver com um monstro sem saber?

Existem pessoas sem empatia cujo tratamento para com seus parceiros e filhos é cruel e prejudicial. Eles são monstros que podem viver conosco em nossa casa. Desmascará-los e nos libertar deles é possível.

Existem pessoas que manipulam, maltratam, torturam, estupram e até assassinam. Eles são pessoas disfuncionais - com uma história pessoal aterrorizante - que não têm empatia para ver os outros como seres humanos com as mesmas emoções e os mesmos direitos que eles.

Eles vivem em nosso ambiente, em casas de nossos vizinhos e às vezes até em nossas próprias casas. Estamos sempre cientes de que vivemos com uma pessoa com essas características? Às vezes sim. Em muitas outras ocasiões, não.

Monstros de lenda ou de verdade?

Por milhares de anos, lendas, religiões e mitos buscaram formas simbólicas de explicar o mal e as atrocidades que algumas pessoas cometem contra outras. Eles nos apresentaram o mal encarnado em demônios que manipulam os homens para forçá-los a perpetrar todas as séries de monstruosidades. Algo que continua acontecendo agora em séries e filmes.

Talvez seja essa imagem histriônica do mal que às vezes nos impede de identificar o mal nos seres humanos que nos cercam, visto que são aparentemente normais. Sem chifres. Sem nada de especial que os identifique.

Freqüentemente vivemos (ou mesmo nos casamos) com pessoas que agem como demônios, mas não conseguimos identificá-las com essa imagem do mal.

Esses sujeitos são psicopatas integrados, como diz o psicólogo Iñaki Piñuel. Em seu ambiente de trabalho e social eles parecem excelentes, mas quando chegam em casa mostram sua cara menos gentil.

Eles se comportam como verdadeiros controladores sádicos, manipulando por meio de chantagem psicológica e punindo - às vezes torturando - com crueldade aqueles que ousam se opor a eles. E eles fazem isso de tal maneira que mesmo aqueles que sofrem seu abuso contínuo podem se tornar inconscientes disso.

Viver com uma pessoa assim pode ser a coisa mais próxima de ter o diabo em casa. Podem ser muito violentos, aterrorizam a família e, nos casos mais extremos, podem até assassinar.

Desmascarar um agressor

Obviamente, essas pessoas, tão disfuncionais e tão desconectadas da realidade, nunca vêm à terapia, mas suas vítimas sim. São os seus parceiros ou filhos que solicitam ajuda psicológica quando atingem uma situação de desespero extremo que os faz superar o medo que têm deles.

Esse foi o caso de Virginia, uma paciente que veio ao meu consultório com sintomas depressivos. Ela foi acompanhada pelo marido na primeira consulta informativa. Ele estava muito preocupado com a saúde da esposa e, disse-me, estava disposto a colaborar no que fosse necessário para ajudá-la.

Ela me disse que estava ficando cada vez mais desanimada e que não conseguia desfrutar de nada de que gostava. Não havia razão para se sentir assim. No entanto, em uma de suas primeiras sessões, ela se imaginou sendo caçada por um demônio.

No começo ele ficou terrivelmente assustado. Ela sentiu as más intenções do demônio, que queria prendê-la e arrastá-la com ele. Virginia sentiu como, conforme o demônio se aproximava dela, estava absorvendo sua energia vital e, até mesmo, tirou seu desejo de continuar lutando.

Ela me disse que era assim que se via, no seu dia a dia, cada vez mais afundada, sem energia, sem querer seguir em frente.

Quem era esse demônio? Às vezes, nosso inconsciente usa símbolos para nos mostrar o que realmente está acontecendo dentro de nós e eu pedi a ele para encontrar um zíper naquele demônio para abrir o disfarce e ver quem estava lá dentro, se passando por um demônio.

Para sua surpresa, quando Virginia abriu o zíper, ela descobriu que era seu marido que estava disfarçado de demônio. Esta informação foi muito chocante, um verdadeiro choque para ela.

Aparentemente, o marido se importava com ela (lembre-se que ele a acompanhou no primeiro dia, muito preocupado). Porém, à medida que Virginia assimilava a imagem do demônio transformado em seu marido, ela se deu conta das manipulações psicológicas, desprezos, insultos e todas as estratégias que ele usava para tirar sua coragem, controlá-la e mantê-la subjugada.

Como essas pessoas podem nos subjugar

Como resultado dessa sessão, Virginia abriu os olhos e percebeu todas as manipulações a que seu marido a sujeitou. Em primeiro lugar, ele não deixou que ela controlasse o dinheiro, mas deu-lhe uma pequena quantia para cuidar das compras semanais e verificou como ela estava gastando cada euro.

Ele também não a deixava sair de casa sozinha, mas sempre procurava um jeito de acompanhá-la. Ele usou o medo para dominá-la: "algo pode acontecer com você, é perigoso, é melhor eu levar você." E se, em alguma ocasião, ela tivesse que ir sozinha, monitorava todos os seus movimentos pelo celular (gps, whatsapp).

Por outro lado, sempre que cometia um erro, ele encontrava uma maneira de culpá-la por tudo. Se ele deixou cair algo, ela é que não deveria ter colocado lá. Se ele se bateu com o martelo, foi porque ela o enganou. Mesmo em algumas ocasiões, sua raiva foi desencadeada a ponto de atacá-la fisicamente, esbofeteá-la ou segurá-la com força pelo pulso.

Não era o demônio que queria possuir Virgínia, era seu marido que a oprimia e subjugava a ponto de roubá-la de suas energias e de sua vontade de viver.

Diante do terror que sentia em casa e da situação difícil em que a mulher vivia há anos, sua mente preferiu ser assombrada por demônios, em vez de assumir que vivia com um agressor. No entanto, graças ao seu trabalho terapêutico, Virginia foi capaz de ver a realidade e entender quem era seu verdadeiro demônio.

Após essa consciência, Virginia foi trabalhando em sua autoestima para se fortalecer, ganhar forças e deixar seu marido abusivo, aquele demônio muito humano e real que a estava deixando sem vida.

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